Mané Cigano, o tesouro escondido de Ponta Delgada

Com mais de meio século de casa, a tasca da família Sardinha conquista locais e turistas pelo estômago e fideliza-os com a mais genuína simpatia micaelense. ​

Passam já 40 minutos das duas da tarde, mas a hora de almoço no Mané Cigano parece não querer terminar. Há pratos pelas mesas, clientes em amena cavaqueira e, mais importante ainda, um balcão comprido de metal frio por onde ainda passam petiscos de tempero caseiro. Ali atrás, entre copos de cerveja e jarros de vinho de cheiro, está Sérgio Sardinha, um dos filhos da casa, que explica que “há dias em que as pessoas fazem fila lá fora”. Por alguma razão isso não nos surpreende.
Mané Cigano

Manuel Sardinha, a.k.a. Mané Cigano, continua a trabalhar aos 78 anos. Foto: Travel&Taste

Mas voltemos um pouco atrás. Estamos em Ponta Delgada, na Ilha de São Miguel, e procuramos um sítio cuja ementa não anuncie aos sete ventos a Francesinha, os Secretos de Porco Preto ou as Migas – sim, por incrível que pareça há quase mais restaurantes com o prato portuense do que com uma posta de vaca açoreana. Em terreno desconhecido, nada como procurar descobrir onde rumam os locais para o manjar do dia. Assim chegámos à Cervejaria Sardinha que ninguém conhece pelo nome – pergunte pelo Mané Cigano e rapidamente encontrará o pequeno e modesto espaço.

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Ali trabalham Sérgio e o irmão, Hélder, ambos filhos de Manuel Sardinha, o orgulhoso proprietário da tasca que já soprou 53 velas desde a abertura. Ao contrário do que seria de esperar, é ainda o homem de 78 anos que manda na casa e que comanda a cozinha – todos os dias, às 6h30 da manhã, Manuel e a mulher começam a lide diária na cervejaria, a que se segue a visita ao mercado para selecionar o melhor peixe da banca. O mesmo acontece com a carne, as especiarias e os legumes que entram na meia dúzia de opções que a ementa tem.

Sabores genuínos

É pelo estômago que Mané Cigano – ficou assim conhecido há várias décadas, não por ser, de facto, de etnia cigana mas porque era, à época, um forasteiro que ali chegara para negociar – conquista os clientes e fideliza-os, depois, com a simpatia que espalha através das (muitas) histórias que tem para contar. As suas ‘armas’ de conquista passam pela carne guisada, pelas íscas de fígado com inhame, mas sobretudo pelos chicharros fritos, a estrela da casa. São, na verdade, como ‘jaquinzinhos’ habilmente fritos, sem gordura e muito saborosos. É o prato que mais vende, conta-nos Sérgio.
Mané Cigano

As iscas de fígado com inhame são um dos ex-líbris do Mané Cigano. Foto: Travel&Taste

Mas não se fica por aqui: durante o verão, há também uma variedade de peixes que evidenciam o melhor do mar que rodeia a ilha. A grande maioria das opções na ementa – decorada e na ponta da língua de qualquer cliente regular – começam nos 5,50 euros e não vão muito mais alto, tornando este achado num verdadeiro tesouro de Ponta Delgada.

Depois de nos perdermos à mesa, descobrimos o vinho de cheiro que Mané mistura com laranjada açoreana, uma bebida leve e pouco alcoólica que pode ser comparada a uma boa sangria. A produção é, como de resto acontece com outros produtos, da família Sardinha.

Mané Cigan

A carne estufada faz as delícias dos clientes, novos ou repetentes. Foto: Travel&Taste

Mané, no auge das suas quase oito décadas de vida, contagia-nos com o seu entusiasmo e rapidamente perdemos o relógio de vista entre estórias que guarda no coração e uma visita guiada à cozinha da tasca. Esta é outra particularidade do espaço: a cozinha não fica no mesmo espaço, por ser demasiado pequeno, mas antes numa pequena casa logo ao virar da esquina. Evidentemente apaixonado pelo que faz, Manuel mostra-nos as instalações e o armazém com orgulho, explicando a rotina diária e elaborando sobre os produtos ali armazenados.

A visita ao Mané Cigano é, por isso, a garantia de um almoço de sabores genuínos, onde impera a arte de bem receber e onde sabe bem gastar umas largas horas à conversa com o fundador. Se tiver o tempo contado, o melhor mesmo é ir bem cedo para garantir que apanha lugar – e lembre-se, as três ou quatro mesas que compõem a sala são partilhadas, tal e qual uma verdadeira tasca.


Cervejaria Sardinha – Mané Cigano | Morada: Rua Eng. José Cordeiro 1-3, Ponta Delgada | + info