A exposição montou arraiais na Cordoaria Nacional, no início de novembro, e trouxe consigo 130 corpos humanos que estavam vivos há três anos… Preparado?
Desde o início de novembro que Lisboa é palco internacional de uma experiência diferente e arrojada: a exposição internacional Real Bodies traz à capital portuguesa centenas de corpos e órgãos humanos para dar a conhecer o corpo humano. A experiência, contudo, não é nova. Já em 2007, Lisboa recebeu a mostra O Corpo Humano Como Nunca o Viu que juntava quase duas dezenas de cadáveres e que impressionou a sociedade.
Oito anos mais tarde, é tempo de a Cordoaria Nacional dedicar 1.700 metros à Real Bodies, “uma viagem ao interior do nosso corpo”, defende o patologista forense Dr. Antonello Cirnelli. É nesta viagem que o convidamos a embarcar connosco.
Da entusiástica coragem à avassaladora realidade
Quando fomos visitar a exposição, não sabíamos exatamente o que esperar, além do óbvio: corpos inanimados. Mas seguimos caminho, de coragem e máquina fotográfica em punho, mergulhados numa ansiedade entusiasmada pelo tema mórbido, julgando que não seria assim tão impressionante. Enganámo-nos.
A primeira informação interessante é de que todos os 130 cadáveres expostos vêm de uma universidade americana e outra chinesa, doados em vida à ciência e investigação, um “belo exemplo” que deve inspirar os visitantes, defende o Prof. Dr. António Gentil Martins. Todas as pessoas, vazias de alma mas de espírito presente, estavam vivas há três anos atrás. Arrepia, não é?
Iniciamos o percurso, dividido pelos vários sistemas do corpo humano, curiosos para saber qual a sensação de partilhar o espaço com as peças expostas. Rapidamente abrandámos o passo e mudámos, progressivamente, a expressão facial, ora de espanto, ora pensativa.
Durante o passeio por entre corpos e órgãos, o nosso campo de visão foi preenchido por cadáveres em músculo e osso, caras cirurgicamente fatiadas e uma série de tumores, pulmões e outros órgãos danificados pelo mau trato que os seus donos lhe deram. O caminho começa com entusiasmo, que vai dando lugar à estupefação e, por fim, a algum distanciamento emocional. Compreendemos e temos consciência de que as ‘peças’ são reais, mas encaramos a viagem como se de livros de anatomia se tratassem.
Dos vários espaços temáticos – sistema esquelético, muscular, reprodutor… – existem dois particularmente interessantes: os fetos e o sistema circulatório. O espaço onde encontramos abortos naturais e embriões não é de passagem obrigatória, precisamente para evitar que grávidas e pessoas mais sensíveis fiquem chocadas. Mas não há razão para isso, o tema é tratado com muito cuidado e respeito e torna-se especialmente interessante quando observamos os embriões e o seu desenvolvimento.
Esta fase precoce da formação de um novo ser humano dá conta como desde muito cedo o corpo se começa a formar. É possível identificar formas e ossos (o processo chama-se ossificação), que mais tarde, à nona semana de gestação, se completam com órgãos.
Ainda na mesma sala encontramos, por exemplo, uma placenta de gémeos e um conjunto de cinco fetos, em diferentes estados de desenvolvimento, que permitem ter uma noção mais clara de todo o processo pelo qual todos nós passamos dentro do ventre.
O sistema circulatório ocupa uma parte da exposição que se torna divertida e especialmente esclarecedora. Graças a um excelente trabalho cenográfico, os corpos estão expostos de forma apelativa aos olhos, tornando mais simples a compreensão do sistema e dos vasos sanguíneos.
A exposição termina com um conjunto de corpos em posições específicas de determinados desportos ou atividades físicas, realçando a mensagem que é passada ao longo de todo o percurso: é importante cuidarmos desta grande máquina. Aqui encontramos um jogador de basquetebol, um praticante de arco e flecha e ainda uma ginasta, que permitem mostrar a complexidade do ser humano, visível apenas por debaixo da pele.
O sentido pedagógico da exposição é, sem dúvida, o maior argumento para a visitar, sendo certo que sairá com uma ideia muito diferente da importância de tratar bem o corpo. As crianças, como pudemos comprovar, adoram a Real Bodies e passeiam-se, divertidas e interessadas, por entre corpos que já foram gente.
Processo de Polimerização
Para impedir a decomposição, é injetada formalina no corpo através das artérias. Depois é necessário proceder à dissecação para mostrar determinadas estruturas do corpo (ou congelá-lo se o objetivo for cortá-lo em lâminas). O corpo é submerso em acetona para desidratar e eliminar toda a gordura dos tecidos. Depois da desidratação, mergulha-se o corpo em polímero de silicone e sela-se numa câmara de vácuo. Assim que o polímero endurece, o corpo está pronto e fica conservado para exposição.
Data: sem final definido | Local: Cordoaria Nacional, Lisboa | Horário: 10h às 20h | Preço: 15,50€ | + info