Um pequeno e rápido exercício de memória permite-nos recordar que muitos têm sido os festivais e eventos dedicados à cerveja artesanal, uma arte movida pela paixão de criar e partilhar dos mestres cervejeiros. Em simultâneo, as marcas nacionais (e verdadeiramente artesanais – produzidas em casa, nas garagens ou num qualquer espaço improvisado) entraram em velocidade cruzeiro e surgiram um pouco por toda a parte, acrescentando diferentes sabores e aromas ao mercado.
Foi neste contexto que surgiu a Lisbon Beer Week, um evento “de cervejeiros para cervejeiros”, como faz questão de sublinhar Gonçalo Sant’Ana, um dos organizadores e proprietário da primeira cervejeira lisboeta, a LX Brewerie. Aproveitando a boleia, a Travel&Taste desafiou o cervejeiro a guiar-nos num conjunto de harmonizações com a ajuda de um dos espaços aderentes à Rota da Cerveja (leia o artigo para saber tudo sobre a festa). Esqueça os tremoços e os caracóis, a experiência de hoje é diferente.
Espaço jovem de comida tradicional
Para colocarmos à prova os menus desenhados propositadamente para a Beer Week, fomos até ao número 136 da Rua de São José, a casa do já velhinho Solar de São José. Um primeiro olhar não encontra a antiga tasca, que timidamente ganha nova vida pelas mãos de um grupo de jovens amigos. Francisco, José e outro amigo decidiram, “de forma inesperada”, adquirir o espaço e transformá-lo numa tasca “jovem” que aposta no receituário tradicional português com “um pequeno twist” – mas sempre com sabor.
Este é, aliás, garantido pelo ‘parceiro de crime’ chef Carlos Carvalho, o culpado pelos sabores nacionais que chegam à mesa para seduzir o olhar e o paladar. A aposta passa pela qualidade dos ingredientes, preservando a tradição dos pratos da carta enquanto é deixado um apontamento “diferente”. Da ementa fazem parte petiscos clássicos, desde as ameijoas à Bulhão Pato aos ovos mexidos com farinheira, mas também opções como a salada de queijo de cabra com mel e nozes ou ribeye com risotto de chouriço.
Ainda no início do projeto – abriram há cerca de três semanas -, o grupo de três amigos prepara-se para fazer obras no espaço e inaugurá-lo já com uma nova marca. As novidades estão prometidas para breve.
Pare, cheire e prove
À semelhança do que acontece com o vinho, a prova de cerveja artesanal deve respeitar os mesmos princípios de modo a garantir total usufruto das suas caraterísticas sensoriais. Gonçalo Sant’Ana sugere que se procure “na nossa biblioteca [mental] de aromas” para os tentar identificar, tarefa facilitada se a cerveja for servida até à marca de 10cl dos copos e sempre entre os 6 e 8 graus de temperatura – o copo nunca deve ficar cheio para manter os aromas no seu interior.
Da mesma forma que acedemos ao nosso registo mental de aromas, é necessário repetir o processo, agora focado no paladar. No fundo, o importante é estar concentrado para que seja possível usufruir da complexidade da cerveja e apreciar toda a paixão com que foi produzida. Agora que já conhece o procedimento básico, avancemos para as harmonizações.
Harmonizar não é fazer ‘um dó li tá’
O que é, afinal, uma harmonização? É exatamente o que o nome indica. É a conjugação de um prato com uma bebida, sem que nenhum dos elementos se sobreponha. Por exemplo, uma cerveja artesanal preta ou uma cerveja com maior graduação alcoólica deve ser consumida com pratos de sabor forte, com mais gordura, para que tanto o paladar da cerveja como o da comida seja preservado e crie, em conjunto, um novo sabor.
O ainda Solar de São José criou um menu específico para a Lisbon Beer Week, com quatro petiscos e quatro cervejas artesanais Dois Corvos (a única marca que vendem) para uma descoberta sensorial. Rib assada com molho de francesinha picante e uma Metropolitan Pale Ale; prego de secreto de porco preto crocante e uma Avenida Blonde; jaquinzinhos com molho de tomate e malagueta com uma Matiné Session IPA; e o croquete de bacalhau à Brás com maionese de azeitona preta (uma agradável surpresa de sabores) com uma Saison são as opções disponíveis. Cada uma custa 4 euros, com petisco e cerveja incluída.
Depois de uma intensa viagem gastronómica pelo generoso menu, o ‘nosso’ especialista e mestre cervejeiro rendeu-se à harmonização, mas não sem antes testar uma improvisada por si mesmo na altura: gelado de salame de chocolate a acompanhar com uma Black Rie IPA, da LX Brewerie, a marca de cerveja artesanal que criou. O equilíbrio de sabores foi garantido numa experiência que demonstra a importância (e o prazer que confere) de uma boa harmonização, um autêntico e prazeroso exercício sensorial.