Monte d’Oiro, a quinta que produzia “vinho do Porto” para enganar os ingleses

As histórias de arte e engenho do produtor, que hoje garante não enganar ninguém, remontam ao século XVII. Entre o portefólio vinícola, a quinta vence prémios internacionais desde o primeiro vinho produzido, razão para a Travel&Taste ter ido conhecer melhor este projeto.

Em plena Ventosa, freguesia de Alenquer, a Quinta do Monte d’Oiro produz vinhos de qualidade para os quatro cantos do mundo, além da presença no mercado nacional, quer em marca própria ou através de outras marcas. A quinta é responsável, por exemplo, pela produção dos vinhos da casa dos chefs Kiko e Avillez, mas também do hotel MGM em Macau. Coloca-se a questão: porquê?

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A resposta torna-se mais simples com os lábios molhados nos néctares d’Oiro, vinhos decididos, sabem o que querem e não têm medo de o dizer. Tal afirmação adolescente, fazem questão de vincar a mineralidade do solo aplicada a castas internacionais – a Syrah é especialidade da casa, embrulhada em várias das referências -, sem esquecer a frescura construída por obra e graça do vento que (muito) por ali circula.

A gama começa nos Lybra – rosé, branco e tinto – com vinhos que surpreendem o paladar e a carteira: a relação qualidade-preço funciona em harmonia, ao ponto de poderem ser encontrados no Alma, de Henrique Sá Pessoa. A surpresa começa no rosé Syrah, que, revestido de cor ténue e aromas florais discretos, conduz o palato por uma viagem tranquila que termina seca na boca.

Subimos a parada, aumenta a expectativa. Lançamo-nos ao Madrigal branco, trabalhado exclusivamente a partir de mais uma casta francesa, a Viognier – é um néctar poderoso na boca, elegante, que vai buscar a frescura e mineralidade ao terroir da Ventosa. Um pouco mais acima na escala, vale a pena destacar o Quinta do Monte d’Oiro Reserva, complexo, fresco e frutado.

Quinta do Monte d'Oiro

Foto: Quinta do Monte d’Oiro

Uma vinha biológica que não ‘dá’ néctares bio

Ao longo da história do Monte d’Oiro – que guarda memórias desde o século XVII -, os proprietários alteraram-se, mas a fama manteve-se: terras de grande qualidade com potencial para boas produções agrícolas.

Comprada por José Manuel Bento dos Santos em 1990, a quinta foi o início de uma aventura que não tinha em mente objetivos comerciais. Contudo, o amor à vinha e a adrenalina de atingir o patamar de excelência – para proveito próprio, por puro gozo – levou a investir, quer monetária como emocionalmente, na produção e vinificação. Esta dedicação viria a traduzir-se na conquista de prémios logo à primeira colheita, em 1997. Feito notável, obra do trabalho cuidadoso e, claro, do generoso terroir.

Aquilo que inicialmente era apenas uma aventura, rapidamente tornou-se mais séria mantendo, porém, a paixão de cuidar da vinha. Desde aí, o Monte d’Oiro conquistou prémios nacionais e internacionais, restaurantes e chefs por esse mundo fora – veja-se, por exemplo, as marcas próprias dos chefs Kiko e Avillez produzidas na quinta.

Este espaço dedicado à vinha foi, em 2006, totalmente reconvertido para produção classificada como biológica para “ter melhores uvas”, garante Francisco Bento dos Santos, filho do proprietário e atual responsável pela marca.

Quase 20 hectares plantados compõem o cenário da quinta, que, em 2017, ganhará uma expansão de outros nove com produção vitivinícola. Este espaço dedicado à vinha foi, em 2006, totalmente reconvertido para produção classificada como biológica para “ter melhores uvas”, garante Francisco Bento dos Santos, filho do proprietário e atual responsável pela marca. Desta forma, o produtor consegue tirar maior proveito da qualidade intrínseca da uva e da terra e, por consequência, criar melhores vinhos.

Francisco Bento dos Santos

Francisco Bento dos Santos é filho do fundador e atual responsável pela marca. Foto: Quinta do Monte d’Oiro

Seria de esperar que os néctares d’Oiro fossem, portanto, biológicos. Mas não. Desde 2012 que a União Europeia aprovou legislação para alterar os parâmetros de admissão, tornando-se mais exigente e limitando, ainda mais, a quantidade de aditivos colocados na produção. Assim, os vinhos produzidos na Ventosa são de produção biológica, mas como contêm sulfitos acima do limite definido não podem ser classificados da mesma forma.

Produzir “vinho do Porto” para vender aos ingleses

Na década de 60 do século XIX, uma praga de filoxera assolou as vinhas e produtores durienses, que viram ameaçada uma das principais – se não mesmo a principal – fontes de rendimento. Convém lembrar que, por esta altura, a venda de Vinho do Porto aos ingleses movimentava muito dinheiro, não só na região como no país.

O inseto, que ataca as videiras e pode, inclusive, matá-las, espalhou-se de forma assustadora e as quebras de produção começaram a fazer-se sentir. “Era preciso continuar a abastecer o mercado inglês”, conta Francisco Bento dos Santos, explicando que para isso foi necessário encontrar outros locais do país onde compensar a falta de produção a norte.

Foi isso mesmo que o Conde de Chanceleiros, também proprietário de terras no Douro, fez na Quinta do Monte d’Oiro. Mais uma vez, a qualidade do terroir terá sido um dos principais motivos da escolha. Depois de produzido na Ventosa, o “Porto” seguia caminho até Vila Nova de Gaia, onde seria carimbado e etiquetado como produção do Douro.

Assim foi uma quinta com história e estórias que enriquecem o vinho e alimentam a alma. À nossa!