Museu do Aljube: uma prisão que agora celebra a liberdade

O espaço que recorda a resistência durante o período de ditadura inaugurou no feriado que celebrou os 41 anos da Revolução dos Cravos e está agora de portas abertas.

Seis anos depois do protocolo que autorizava a abertura do museu, é finalmente inaugurado a 25 de abril de 2015, dia em que se assinalaram os 41 anos desde a revolução. Na cerimónia marcaram presença o atual Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Fernando Medina, o historiador e diretor do Museu do Aljube, Luís Farinha, e três dos presos políticos que ali estiveram durante o Estado Novo, Domingos Abrantes, Fernando Rosas e Alfredo Caldeira, entre outras personalidades.

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O edifício número 42 da Rua Augusto Rosa, em frente à Sé, remonta à ocupação muçulmana e desde então tem sido utilizado para aprisionar aqueles que lutam contra a lei – o que não significa necessariamente que a lei estivesse sempre certa. Começou por receber presos eclesiásticos, numa altura em que o Aljube – palavra para poço fundo – funcionava também como palácio de arcebispos. Mais tarde manteve as funções, mas desta vez apenas para mulheres condenadas por delitos comuns, dando lugar, em 1928, ao encarceramento de presos políticos.

A Cadeia do Aljube era conhecida pelas vergonhosas condições de higiene e segurança, local onde a violência física dos interrogatórios era alternada com a violência psicológica que se fazia sentir nos treze Curros, celas individuais minúsculas feitas à medida de um homem. Ali os presos estavam confinados a um espaço extremamente escuro sem qualquer tipo de contato com o exterior, apenas a aguardar novas táticas de interrogatório e mais tortura, tudo em prol da investigação criminal.

Museu do Aljube

Foto: Câmara Municipal de Lisboa

Foram estas condições, ou a falta delas, que levaram ao encerramento forçado em 1965. Depois de acolher dezenas de estudantes nos seus aposentos, em janeiro de 1965, uma manifestação com centenas de jovens e familiares daqueles que ali estavam encarcerados exigia, de forma ousada e perigosa, a sua libertação aumentando a indignação do povo e da oposição, mas também a contestação oriunda do circuito internacional do qual Portugal estava cada vez mais isolado. A prisão foi fechada no verão desse ano e reaberta, depois de obras de remodelação, em 1970 mantendo-se assim até 1974. Daí em diante daria abrigo ao Instituto de Reinserção Social do Ministério da Justiça.

“Bem vindos à casa da Liberdade!”

Foi assim que o diretor do Museu do Aljube, Luís Farinha, recebeu os mais de duzentos curiosos que quiseram conhecer o primeiro museu dedicado à luta pela liberdade e à preservação desse mesmo direito fundamental. O mais importante objetivo deste novo espaço cultural, segundo Fernando Medina, é lembrar as pessoas “do que custou a liberdade” para que seja possível mantê-la e criar “uma sociedade mais avançada” e com consciência.

Museu do Aljube

Foto: Museu do Aljube/EGEAC

Este espaço está dividido em quatro pisos superiores e um inferior, onde permanecem alguns dos vestígios arqueológicos encontrados durante as obras de renovação. À entrada, feita pela porta lateral do edifício, está localizada a loja e, logo a seguir, a sala dedicada às exposições temporárias que, nesta ocasião, são alguns placards com texto e fotografias desde o final da monarquia ao 25 de abril de 1974. A sala é preenchida com a história de um país em alvoroço, com várias mudanças de regime, inúmeras revoluções e manifestações que entretêm o visitante em circulação pela direita. O problema? Embora se reconheça a importância desta introdução resumida à visita do museu, peca por serem apenas cartazes com meia dúzia de linhas de história (e mesmo apesar de poucas linhas, existem falhas na correção escrita ora utilizando o acordo ortográfico, ora deixando-o de lado) acompanhadas de pequenas fotografias.

Ainda que um pouco dececionante ao início, assim que se sobem as escadas até ao primeiro andar a exposição permanente compensa o visitante e recebe-o, agora, com uma viagem no tempo pela censura e as manobras que a contornavam em dificuldade, assim como o extensivo e excessivo poder exercido pelas polícias políticas. As bases estruturais do Estado Novo e as “certezas indiscutíveis” – Deus, Pátria e Família – são abordadas e é utilizado um discurso de Salazar para ilustrá-las.

No piso 2, aquele onde se localizavam os já referidos Curros, é exposta a árdua resistência e combate ao regime e mostrada a dura realidade vivida pelos presos – com recurso à identificação de todo o processo de prisão, interrogatório e tortura -, incluindo algumas das celas hoje habitadas por figuras de gesso em ilustração do que acontecia aos encarcerados no isolamento. Destaque merecido à pequena sala com dados estatísticos sobre o acesso à educação, à eletricidade, casa própria e outros importantes dados sociais desde o início do século XX à atualidade.

Museu do Aljube

Foto: Museu do Aljube/EGEAC

O terceiro piso vai até às províncias ultramarinas, expõe a história do colonialismo e da guerra colonial, relembrando também as vidas perdidas durante a opressão de um estado totalitário e cruel que governou Portugal por mais de quarenta anos. No último piso existe uma cafetaria e um auditório.

A inauguração do Museu do Aljube – Liberdade e Resistência teria, quase obrigatoriamente, que acontecer a 25 de abril de um qualquer ano ou não teria a mesma visibilidade e impacto. Dito isto, compreende-se a pressa da inauguração, mas não se compreendem pequenas falhas como paredes vazias com anotações de montagem e a já referida falta de coerência nos textos da exposição temporária.

Não deixa de ser um espaço a visitar para reavivar memórias de tempos difíceis em que este texto não poderia ter sido escrito sem passar pela Censura e, provavelmente, sem ser cortado. Viva a liberdade!


Museu do Aljube | Morada: Rua Augusto Rosa 42, Lisboa | Horário: 10h às 18h (ter. a dom.) | Entrada livre | + info