Entre as atividades mais aguardadas pelos visitantes, os desfiles de tratores foram uma verdadeira viagem ao passado, lembrando os tempos em que as colheitas das uvas dependiam fortemente destes veículos. Em muitos casos, os tratores serviram de base para assar chouriços, um toque especial que acrescentou um sabor autêntico e familiar à festa, reforçando o lado tradicional e nostálgico que atrai tantos visitantes.

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Além dos desfiles, a festa foi palco de várias atividades culturais e recreativas, onde o encontro entre gerações permitiu manter vivas tradições seculares. A própria essência da festa, que celebra a colheita das uvas e a importância da viticultura na região, reforça os laços entre a comunidade local e a terra, destacando a riqueza cultural e o património agrícola do Ribatejo.

A celebração da festa começou com um mercado à moda antiga, repleto de produtos típicos da região, e culminou no grande desfile e na bênção do vinho, presidida pelo padre Miguel Ângelo. Vasco Casimiro, o presidente da junta de freguesia, descreveu a festa como “a adiafa de um ano de labuta”, evidenciando o espírito de gratidão e celebração que permeia o evento.

O Processo das Vindimas: Uma Tradição de Esforço e Dedicação

A Festa das Vindimas centra-se num dos processos agrícolas mais antigos e relevantes da região: a colheita das uvas. Esta tarefa, que requer um esforço conjunto, representa o resultado de meses de trabalho intenso nas vinhas. Desde o nascer do sol até ao final do dia, os vindimadores locais e as famílias que se juntam para ajudar percorrem os vinhedos com cestas e tesouras, cortando cuidadosamente os cachos de uva. Após isso, as uvas são colocadas nas cestas e levadas para as adegas, onde se inicia o processo de fermentação e vinificação. Este processo que combina tradição e técnica, continua a ser realizado principalmente à mão, preservando a autenticidade e a qualidade que definem o vinho da região do Cartaxo, sendo a cidade aclamada de capital do vinho.

Em Vila Chã de Ourique, muitos dos habitantes crescem a participar na vindima, aprendendo desde cedo os cuidados e técnicas que garantem a colheita. Jorge Fonseca, um habitante local de 73 anos, conta: “As vindimas são um trabalho de mãos, mas também de coração. Eu venho para as vinhas desde pequeno e sinto que é o que nos une, todos a trabalhar pela mesma causa e, no final do dia, poder usufruir do que fizemos ao longo do dia, bebendo o nosso vinho e celebrar juntos.”

 

Os Desfiles de Tratores:

Um dos momentos mais aguardados da festa é o desfile de tratores. Este é um evento onde a nostalgia se encontra com a tradição, pois muitos dos tratores são autênticas relíquias, cuidadosamente restauradas e decoradas pelos seus donos, que são, em muitos casos, as mesmas famílias que os usaram durante anos nas suas terras. O desfile de tratores, este ano, passou por todas as ruas da vila, e ocorreu a partir desde das 14 da tarde do dia 12 outubro até às 18 horas do mesmo dia, aquecendo assim os moradores e os possíveis turistas para o jantar que foi servido no pavilhão de festas.

Vasco Casimiro, presidente da Junta de Freguesia de Vila Chã de Ourique, destaca a importância deste momento: “Os tratores aqui são mais do que máquinas, representam o trabalho e o esforço dos nossos antepassados. Ver cada um deles a desfilar é um honrar à nossa história. Este desfile é tão magnifico que tem a capacidade de unir todas as gerações, mostrando a quem nos visita como respeitamos as nossas raízes.”

No final do desfile, alguns dos tratores são utilizados para uma prática única da região: o assar de chouriços diretamente nas grelhas montadas nas próprias máquinas. Este gesto cria um ambiente acolhedor e familiar, oferecendo aos visitantes e participantes o sabor autêntico da culinária local, tudo num espírito de convívio e celebração tão típico no ribatejo.

 

Vestuário

Os trajes utilizados pelos participantes do desfile são uma homenagem às vestimentas típicas da região e ao passado rural da vila. As mulheres vestem saias compridas e rodadas em tons terra, blusas de algodão bordadas ou xailes coloridos, que remetem para as roupas usadas durante o trabalho na colheita das uvas.

Por outro lado, os homens também aderem ao traje tradicional, optando pelas calças de sarja ou de linho, coletes e camisas de flanela ou algodão, com as mangas arregaçadas, prontos para a labuta das vinhas. Chapéus de palha e boinas são acessórios comuns, dando-lhes o típico ar rural que completa o visual habitual dos camponeses ribatejanos.

As crianças, envolvidas no desfile para garantir que as tradições passem de geração em geração, usam versões simplificadas dos trajes dos adultos, trajes que outrora foram usados pelos seus pais.

 

Decoração das Casas e das Ruas

As casas e ruas de Vila Chã de Ourique também aderiram com veemência ao clima festivo. No período da Festa das Vindimas, várias fachadas residenciais são decoradas com elementos que enaltecem a tradição da colheita. Ramos de videiras, cachos de uvas e coroas de flores recém-colhidas são pendurados em portas e janelas. Algumas residências exibem as típicas mantas do desfile, mas também dão um destaque aos artefactos agrícolas antigos, como cestos de vime, foices, tesouras de poda e até pequenos barris de madeira, remetendo os visitantes a um período em que a vinificação era totalmente manual.

Por outro lado, a utilização de bonecas, decoradas com saias, blusas bordadas e lenços de cores variadas, é uma reprodução precisa das vestimentas utilizadas pelas mulheres no desfile, prestando homenagem ao visual característico das colheitas. Cada boneca, com os seus xailes coloridos, aventais floridos e lenços cobrindo a cabeça, é uma homenagem visual às várias gerações de mulheres que, ao longo de décadas, se dedicaram à vinha e que, atualmente, desfilam com orgulho e felicidade, representando a persistência da tradição.

 

Gastronomia Local: Os Sabores do Ribatejo

No Pavilhão de Festas de Vila Chã de Ourique, inaugurado pelo antigo presidente da câmara do Cartaxo, Paulo Caldas em 2002, a gastronomia da Festa das Vindimas é um tributo aos sabores tradicionais e às receitas populares da região. Os visitantes têm a oportunidade de degustar uma diversidade de pratos, que variam desde sopas reconfortantes e suculentas bifanas até aos tradicionais couratos, pica-paus, cachorros e pipis. Essa seleção de iguarias é harmonizada com o vinho regional, servido em abundância, que aquece o espírito e enriquece a vivência gastronômica da festa, algo indispensável na festa das vindimas.

Para aqueles que têm um paladar mais doce, a celebração também disponibiliza sobremesas típicas, sendo eles, o bolo tradicional de Vila Chã de Ourique e o arroz doce, com sua textura cremosa e um toque de canela, verdadeiros prazeres para os visitantes.

No meio do pavilhão animado, entre cumprimentos e conversas com os habitantes locais, Eduardo Valdemar Crespo, antigo presidente da Junta de Freguesia de Vila Chã de Ourique, observa o ambiente da Festa das Vindimas com um olhar atento e orgulhoso. De sorriso fácil, integrava-se na celebração como parte da própria tradição, sempre muito disponível para partilhar histórias dos tempos em que a festa era mais modesta, mas igualmente carregada de união e entusiasmo. “Para mim, a Festa das Vindimas de Vila Chã de Ourique é mais do que uma simples celebração; é a alma da nossa terra,” afirma. “Lembro-me de quando começámos a organizar esta festa com poucos recursos, mas com muito coração. Era um trabalho de todos: famílias, amigos, vizinhos e deixa-me muito feliz ver que essa união continua viva até hoje.”

Ao recordar o passado, Eduardo não esconde a satisfação ao ver as novas gerações a participar, desde os mais pequenos nos desfiles até às famílias reunidas no pavilhão para saborear os pratos tradicionais. “É emocionante ver os miúdos a dar continuidade a isto,” diz com orgulho, “enquanto houver festa, as nossas raízes estão vivas. A Festa das Vindimas é uma homenagem ao trabalho de um ano inteiro e ao nosso legado.”

 

A Taberna do Bacalhau e a Tradição

Um dos pontos altos do cortejo foi a presença da Taberna do Bacalhau, propriedade do agricultor João Bacalhau, onde o presidente da Câmara do Cartaxo, João Heitor, animava o público tocando cana rachada.

O ambiente vibrante e festivo atraiu tanto os moradores quanto os visitantes, que se reuniram para celebrar as tradições locais. Atrás da Taberna do Bacalhau, um burro puxava uma carroça, onde dois homens, Francisco Figueiras, e Ricardo Almeida, participavam ativamente do cortejo.

 

Envolvimento da Comunidade e Sustentabilidade

A realização da Festa das Vindimas não seria possível sem o envolvimento da comunidade local, que se mobiliza para garantir que tudo ocorra da melhor forma. Os moradores da vila não apenas participam como voluntários na organização, mas também se dedicam a manter a tradição viva, destacando-se dos demais, um grupo já tradicional em Vila Chã de Ourique para todas as festas ao longo do ano, os Cinquentões. Os Cinquentões são um grupo de pessoas que atingem naquele determinado ano os 50 anos de idade e se disponibilizam a assegurar que as festas corram da melhor forma, e a das vindimas não foge á regra.

 

Até para o ano”

Ao terminar a edição de 2024 da Festa das Vindimas, o sentimento geral é de satisfação e gratidão. A festa não apenas celebra a colheita do vinho, mas também a resiliência da comunidade e a força das tradições. Os organizadores e participantes já começam a pensar nas próximas edições, com a certeza de que cada ano traz novos desafios e oportunidades e claro que não podia faltar: alegria e orgulho nas raízes ouriquenses.

As reações dos participantes e dos moradores demonstram a importância da festa para a identidade local. Muitos expressam um profundo agradecimento à organização e ao envolvimento de todos, desde os mais jovens aos mais velhos. “Esta festa é a alma de Vila Chã de Ourique,” afirma José Botelho, um residente de longa data. “É aqui que nos juntamos, celebramos e mostramos ao mundo quem somos.”

Assim, a festa encerra com a promessa de continuar a cultivar não só as uvas, mas também os laços que unem todos os que, de uma forma ou de outra, fazem parte desta história ribatejana.

 

Por João Figueiredo (aluno do 3ºano, da Licenciatura em Comunicação Social: Jornalismo e Comunicação Empresarial, da Escola Superior de Tecnologia de Abrantes)