As últimas duas semanas têm sido um verdadeiro turbilhão de notícias, novos casos de infeção com o novo coronavírus, que dá origem à doença COVID-19, e anúncio de sucessivas medidas restritivas com o objetivo de travar o avanço da pandemia em território nacional. Esta quarta-feira, dia 18, foi dia de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, reunir com o Conselho de Estado para decidir se seria ou não decretado o estado de emergência em Portugal. A decisão? Vai avançar a partir das 24 horas de hoje, tendo efeito imediatamente ao início da madrugada de quinta-feira, e terminará às 24 horas do dia 2 de abril.
A decisão, ainda que pertença ao Palácio de Belém, depende de articulação e parecer positivo do primeiro-ministro, sendo depois necessária a aprovação pelos partidos representados na Assembleia da República. Entretanto, ao final do dia, a proposta foi aprovada. Uma vez decretada a medida excecional, terá uma duração máxima de 15 dias que pode, eventualmente, ser renovada se devidamente justificada.
O que prevê a lei
O estado de emergência está previsto na Constituição da República Portuguesa, a lei base do país, e a sua declaração encontra-se devidamente balizada, de forma a que apenas possa ser implementado “no todo ou em parte do território nacional” em caso de “calamidade pública”. Existe um outro instrumento, a ser utilizado em situações mais graves, de “agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça” – em suma, em período de guerra no verdadeiro sentido da palavra. A esse chama-se estado de sítio, que agora deixamos de lado.
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O decreto do estado de emergência deve ser aplicado, de acordo com a lei, de forma proporcional e apenas “pode determinar a suspensão de alguns dos direitos, liberdades e garantias suscetíveis de serem suspensos”. Significa isto que a implementação desta medida nunca pode afetar “os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião”, lê-se no decreto de aprovação da constituição.
Que liberdades perdemos?
Apesar do texto de enquadramento das medidas de estado de sítio e estado de emergência impor limites às liberdades que podem ser suspensas, como vimos no ponto anterior, não define exatamente quais são os direitos afetados. Essa decisão depende do Presidente da República, responsável por redigir a declaração onde constará a fundamentação para a sua implementação, o âmbito territorial (se é aplicada localmente ou em todo o país), duração (que nunca pode ser superior a 15 dias) e “especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso ou restringido”, entre outras informações.
No projeto de decreto proposto esta tarde por Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente defende a suspensão temporária dos seguintes direitos:
– Direito de deslocação e fixação em qualquer parte do território nacional, nomeadamente “a interdição das deslocações e da permanência na via pública que não sejam justificadas” – as exceções são para o desempenho de atividades profissionais, acesso a cuidados de saúde, assistência a terceiros ou abastecimento de bens essenciais;
– Propriedade e iniciativa económica privada, que pode obrigar determinados setores fundamentais a funcionar durante este período em prol da comunidade ou ao encerramento de outros que não sejam essenciais;
– Direitos dos trabalhadores, que podem ser chamados, em casos excecionais, a desempenhar funções, “designadamente no caso de trabalhadores dos setores da saúde, proteção civil, segurança e defesa” e outros que se justifiquem no âmbito do controlo da epidemia;
– Circulação internacional, com restrições aplicadas às fronteiras (algumas destas medidas já foram anunciadas pelo Governo);
– Direito de reunião e de manifestação;
– Liberdade de culto, nomeadamente na interdição de celebrações religiosas para evitar contágio;
– Direito de resistência, o que significa que os cidadãos devem obediência total às ordens das autoridades.
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Papel da Assembleia da República
Além de ser necessário que a proposta do Presidente da República seja alvo de um parecer do Governo, a Assembleia da República é também chamada a votar o decreto do estado de emergência. A discussão entre os partidos representados decorreu esta tarde, tendo a votação sido realizada há instantes, fazendo aprovar o pedido de Marcelo Rebelo de Sousa.
Antes ainda da aprovação, e já após a reunião extraordinária do Conselho de Ministros, convocada por António Costa, o primeiro-ministro garantiu que a declaração do estado de emergência não colocaria a democracia portuguesa em causa.
“Com a declaração do estado de emergência, a democracia não será suspensa. Continuaremos no pleno funcionamento das nossas instituições democráticas, continuaremos a ser uma sociedade aberta, de cidadãos livres, ou seja, de cidadãos que são responsáveis por si e pelos outros”, defendeu.
“Para salvar vidas, é necessário que a vida continue”, disse ainda, acrecentando que “tudo aquilo aquilo que são as cadeias de abastecimento fundamentais de bens essenciais tem de continuar a ser assegurados e os serviços essenciais têm de continuar a ser prestados”, concluiu.
Discurso de Marcelo
Ao cair da noite, o Presidente da República fez um discurso ao país a dar conta da decisão tomada, justificando-a e encorajando os portugueses para um “tempo excecional” que se prolongará ao longo dos próximos meses, durante o combate à epidemia do COVID-19.
“Acabei de decretar o estado de emergência”, começou por dizer Marcelo Rebelo de Sousa, que defendeu ser necessária “uma decisão excecional num tempo excecional”. Nesta “guerra que dura há um mês”, elogiou os esforços do Governo e dos diferentes poderes políticos, mas também daqueles que têm travado batalha após batalha na linha da frente.
“Na contenção, o Serviço Nacional de Saúde fez e continua a fazer o heroísmo diário pelas mãos dos seus notáveis profissionais”, a que se juntam as forças de segurança e todos aqueles que estão envolvidos nas cadeias de abastecimento de produtos essenciais ao país. Aproveitou a oportunidade para elogiar o comportamento dos cidadãos, dizendo que “os portugueses foram e têm sido exemplares” no cumprimento das orientações dadas pela Direção Geral de Saúde e, no geral, pelas forças do Estado.
Lembrou ainda que “é nosso dever acatar” essas orientações para que seja possível ultrapassar um momento sem igual na história recente do país. Apesar da medida agora tomada, de decretar o estado de emergência nacional, Marcelo disse que “muitos esperam do estado de emergência um milagre que tudo resolva”, o que não acontecerá sem a ajuda de todos.
“Nesta guerra ninguém mente nem vai mentir”, assegurou Marcelo Rebelo de Sousa
Esta decisão, reforçou, “não atinge, no essencial, os direitos fundamentais” dos cidadãos e “não é uma interrupção da democracia”, mas antes um sinal do seu funcionamento em pleno.
Em alusão à onda de notícias e informações falsas que têm circulado nas redes sociais e que têm provocado preocupação a muitos portugueses, o Presidente da República lembrou que “nesta guerra ninguém mente nem vai mentir” e garantiu que ele próprio estará cá para o assegurar.
Recorde-se que, apesar de publicado o decreto que implementa o estado de emergência, as medidas específicas e as restrições que serão aplicadas serão anunciadas esta quinta-feira pelo Governo, a quem cabe tomar a decisão.
Portugal está, assim, a partir das 24 horas desta quarta-feira em estado de emergência. Lembre-se, deve evitar ao máximo sair de casa e deslocar-se, a menos que se encaixe numa das exceções já mencionadas, e acatar as ordens das forças de segurança. Caso contrário, poderá incorrer em crime de desobediência que é punível com até um ano de prisão.
Notícia atualizada às 20h30 com o discurso do Presidente da República.